sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Corumbiara, de Vincent Carelli



Já se passou quase uma semana desde que o júri popular do 37º Festival de Cinema de Gramado, do qual participei, elegeu o documentário “Corumbiara’ como o melhor filme brasileiro do evento. Para nossa satisfação, Corumbiara também foi eleito o melhor filme pelo júri oficial, o que deixou a todos com a sensação de alma lavada, já que um trabalho como o que foi feito pelo indigenista Vincent Carelli ao longo de mais de vinte anos não poderia passar sem o devido reconhecimento.

Vamos ao que interessa; a história começa quando Carelli funda em 1987 o projeto “Vídeo nas Aldeias”, uma tentativa de colocar o audiovisual a serviço de temas políticos e sociais que envolviam indígenas de Rondônia. Ao longo de sua trajetória, ele entrou em contato com uma tribo isolada que falava uma língua considerada extinta, e descobre um massacre de praticamente uma aldeia inteira que havia ocorrido anos antes, deixando praticamente nenhum sobrevivente para contar a história – os que se salvaram, se isolaram ainda mais do contato com o homem branco, horrorizados com a selvageria perpetrada pelos verdadeiros “não-civilizados”.

Durante anos Carelli e sua equipe filmaram os primeiros contatos com os descendentes dos sobreviventes, as tentativas de aproximação, os esforços para traduzir a língua falada por eles e fez um extenso trabalho investigativo com o intuito de denunciar os responsáveis pelo massacre. Um trabalho feito de sangue, suor e muita coragem. Correu risco de prisão e risco de vida. Enfrentou a ira dos poderosos fazendeiros da região e a má vontade da mídia, que sonegou informações ao público e nunca deu o devido destaque às suas descobertas. O massacre fora denunciado – os culpados permanecem impunes, mas certamente mais escondidos depois do seu esforço incansável.

As qualidades cinematográficas de “Corumbiara” também são admiráveis: a montagem inteligente faz do filme muito mais que um documentário investigativo, mas um verdadeiro thriller de aventura, com picos de tensão nos momentos certos, como quando eles travam o primeiro contato com os índios ou quando eles cercam um índio isolado no meio da floresta durante horas, numa tentativa de se fazer um único e simples registro de sua imagem. Ele mesmo questiona o aspecto ético dessa tentativa, e toca fundo no coração do espectador, que neste momento está completamente envolvido com a narrativa.

Vincent faz a narrativa em tom extremamente pessoal e inclusive se coloca em frente às câmeras, além de usar um recurso extremamente criativo: quando encontra os índios pela primeira vez, o idioma que falavam era incompreensível, e junto com a equipe ficamos sem entender o que eles tentam arduamente expressar. Apenas quando especialistas são convocados para tentar decifrar o idioma e eles compreendem o que está sendo dito é que as legendas entram em quadro. Muito do filme é dedicado a mostrar o cotidiano dos índios, o tempo necessário para que o público crie empatia com os personagens dessa saga – essa ligação é essencial para nos trazer mais perto de seres humanos que são tão distantes do público em vários sentidos: geográfico, cultural, de linguagem. É com esse recurso, por exemplo, que entendemos que há uma linguagem universal: o riso.

Apesar de não ser o filme mais ovacionado durante a exibição, Corumbiara certamente teve o reconhecimento merecido – vi de perto muitas pessoas com lágrimas nos olhos, um comentário de um colega de júri expressou um sentimento geral: ele disse que ao apertar a mão de Vincent Carelli, as mesmas mãos que haviam tocado os indígenas, sentiu-se indiretamente ligado a todas as histórias de vida narradas no filme. É exatamente aí que vivenciamos de verdade aquilo que muitas vezes é dito da boca pra fora: somos (irremediavelmente, indubitavelmente) todos um.

3 comentários:

  1. Julia,

    Tuas palavras não só me tocaram como também traduziram perfeitamente tudo que "Corumbiara" representou e tem dentro de si como obra de arte e documento valioso.
    Aliás, transcendendo isso, me fizeram voltar à Gramado, principalmente aos dias em que "Corumbiara" estava nos dominando, e quando cruzávamos com Vincent e Marcelo por lá, ou comentávamos sobre o filme, e sobre tudo.
    Foi um prazer te conhecer, guria.

    Beijão,

    Victor (o do Rio...)

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  2. Eu gostaria de parabenizar Vicent Carelli e Marcelo, o indigenista pela produção do documentário, apesar de não ter assistido ao vídeo até o presente momento. Eu estive com eles numa destas expedições. Sou testemunha do fato acontecido e, não só eu mas outro colega meu de profissão.
    Foram 15dds de muita tensão e dedicação por parte de Vicent e Marcelo. Só tenho a agradeçer a oportunidade que tive de vivenciar tudo aquilo.
    Um grande abraço.
    Ma. Jose Naimaier Duarte

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  3. Gostei muito dessa crítica ao filme sobre o massacre de índios. Fiquei pasma, porque sou cinéfila compulsiva e ainda não vi o filme (nem sabia que ele existia...) Obrigada pelas informações. Vou providenciar ver o filme e voltarei aqui. Saludos. Maria José Limeira.

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