terça-feira, 27 de abril de 2010

Se Qualquer Coisa Fizesse Sentido




Título Original: Alice in Wonderland (EUA, 2010)
Direção: Tim Burton
Roteiro: Linda Wolverton
Elenco: Johnny Depp (Chapeleiro Maluco)
Mia Wasikowska (Alice)
Anne Hathaway (Rainha Branca)
Helena Bonham-Carter (Rainha Vermelha)

Conhecer o mundo fantástico e as cores que Tim Burton criaria para a obra-prima de Lewis Carroll foi sem dúvida a maior expectativa cinematográfica desse ano. Então lá fui eu, cheia de boa vontade e completamente nerd, ver a primeira sessão de Alice no Imax em Curitiba. Sei que não sou sozinha, Alice já começou como a maior abertura da história do cinema, ganhando até mesmo do rei das bilheterias James Cameron. A cada semana um novo filme “é o maior Box Office da história”, ou no caso de Alice, a maior abertura - reflexo de campanhas maciças na internet e das lindas imagens divulgadas nas semanas que antecederam a estréia, que deixaram todos com os olhos cheios como diria a protagonista, “mais e mais curiosos, curiosíssimos’.

Sou obrigada a apontar antes de qualquer coisa que me diverti horrores – sou uma das últimas remanescentes da idade da pedra que ainda esticam a mão para alcançar os insetos que voam em 3D, e entrar no País das Maravilhas é uma viagem onírica e surreal belíssima. O filme é visualmente lindo e arrebatador.

Em muitos momentos “Alice” se parecer demais com uma franquia de Project Runway, o reality show preferido de dez entre dez antenados e descolados. Os vestidos de Alice tem de ser reajustados a cada vez que ela aumenta ou diminui de tamanho, e cada novo figurino parece saído diretamente de uma passarela de Milão.

Apesar da impecável parte visual, Alice de Tim Burton não é o filme que gostaríamos de ter visto. Pra começar, diretor e roteirista decidiram tomar inúmeras licenças poéticas e ao invés de adaptar a história que dá nome ao filme, optaram por uma miscelânea deste e de “Alice Através do Espelho’, misturando personagens e situações. Também transformaram a pequena Alice em uma jovem mulher prestes a se casar, o que é totalmente compreensível em tempos de escândalos na igreja católica e tudo o mais. O próprio Lewis Carroll é ate hoje visto como um sujeito que gostava um pouco demais das infantes, visto as fotos em poses sensualíssimas para a época que o reverendo Anglicano (coincidência?) costumava tirar das filhas de seus amigos.

A história tem um apelo irrestível. “Alice no País das Maravilhas” e sua continuação “Através do Espelho” são grandes obras-primas que já nasceram clássicos pelo gênio infinito de Lewis Carroll. O seu uso das palavras, os neologismos e os jogos matemáticos que inventava foram inspiradores de grandes autores da literatura fantástica como Jorge Luis Borges e Gabriel Garcia Márquez. O que acontece é que Alice é um romance tão forte e carregado de símbolos que até mesmo quem nunca leu os livros percebe de forma inconsciente que existe ali um desperdício de história – uma narrativa rica que foi reduzida a uma luta entre o bem o mal com final apoteótico de Alice travestida com uma reluzente armadura prateada – onde já não se sabia se estávamos vendo Alice, Narnia ou O Senhor dos Anéis. Aliás, essa cena pareceu cair muito bem já que era feriado do dia de São Jorge.

Tim Burton tem escorregado com certa recorrência no seu estilo bizarro de ser. A formula apesar de genial se mostra cansada. O adjetivo mais usado para descrever Tim Burton é “sombrio”, porém não é uma mera gelatina azul e fotografia escurecida que tornam um roteiro mais denso e a heroína do filme é o maior exemplo disso. Já faz algum tempo que não se vê algo surpreendente como Edward Mãos de Tesoura ou Beetlejuice, esses sim memoráveis e inesquecíveis. Tim, por favor volte aos roteiros originais!!

O mesmo não se pode dizer de Helena Bonham-Carter que tem atuado em praticamente todos os últimos filmes do diretor. Ela é quase tão esquisita quanto seu marido e empresta qualidades hilárias para a Rainha Vermelha, papel que parece ter sido feito para ela. Ela faz soar natural até uma fala como “adoro uma barriga de porco quentinha para meus pés cansados!” Helena é uma dessas atrizes difíceis de se rotular e encaixar num padrão e que ofusca totalmente a contrapartida branca de Anne Hathaway. A Rainha Branca poderia estar em qualquer um dos filmes de fantasia lançados nos últimos anos e não saberíamos a diferença. Ela vive num lindo palácio alvo de neve sem fim, e só isso poderia explicar o roxo asfixiante dos seus lábios e unhas. Uma legítima princesa da Disney que parece estar no filme errado. Claro que Johnny Depp não faz feio como o Chapeleiro Maluco, que decididamente é o Alter Ego do diretor. Sim, ele está caricato e cheio de tiques e trejeitos, mas ainda assim mais convincente que o Willy Wonka infantilizado de 2005.

Ainda quero ver Alice mais uma vez, em 3D, é claro. É diversão honesta e garantida, mas ainda não estamos todos malucos como o chapeleiro para dizer que este é o filme definitivo de Tim Burton, e cortem a minha cabeça se for a definitiva versão cinematográfica de Lewis Carroll.

2 comentários:

  1. O Burton teve grandes momentos, depois de Edward. A Lenda do Cavaleiro se Cabeça e Peixe Grande são dois desses momentos.

    Sobre o blog, tem uma belíssima escrita e uma maneira cuidadosa de amarrar as suas ideias. Foi um prazer ler isso.

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