segunda-feira, 27 de abril de 2009

L’enfant Sauvage de Truffaut


Título Original: L’enfant Sauvage (França, 1969)
Gênero: Drama

Direção:
François Truffaut
Roteiro:
François Truffaut , Jean Gruault
Produção:
Marcel Berbert
Elenco:

François Truffaut
(Dr. Itard)
Jean-Pierre Cargol
(Victor)
Françoise Seigner
(Madame Guerin)
Annie Miller
(Madame Lemeri)
Claude Miller
(Monsieur Lemeri)
Outro dia desses fui apresentada à história de Oxana Malaya, através de um documentário televisivo britânico que você pode ver aqui (http://www.mojoflix.com/Video/Oxana-Malaya-The-Feral-Child.html )

A pequena ucraniana foi abandonada pelos pais aos três anos de idade e criada entre uma matilha de cães até ser encontrada por uma vizinha da região, no vilarejo de Navaya Blagoveschenka, na Ucrânia, aos oito anos de idade. Oxana não falava, andava de quatro, latia e comia carne crua, plantas e o que mais encontrasse para sua sobrevivência. Desprovida de qualquer contato humano, se comportava como um cão e não reconhecia sua imagem no espelho.

Foi impressionada e fascinada com este caso de criança selvagem que aproveitei para rever “L’enfant Sauvage”, de François Truffaut. O filme de 1969 é um dos mais sensíveis do diretor da Nouvelle Vague. É a história de Victor de l’Aveyron (Jean-Pierre Cargol), um “menino-lobo” encontrado nas florestas da França e dos esforços de um médico, interpretado pelo próprio Truffaut, intrigado com o caso do garoto para educá-lo. Inspirado em uma história real e nas anotações do Dr. Jean Itard, “Garoto Selvagem” é um filme delicado e essencialmente simples, direto e objetivo, porém de uma profundidade pungente. A atuação de Jean-Pierre como o pequeno selvagem está entre as mais críveis que já vi.

A tentativa bondosa e inconseqüente do médico de “civilizar” Victor resulta em um choque quase que insuportável para o garoto. À medida que o filme se desenvolve, testemunhamos junto com o Dr. Itard as primeiras manifestações de Victor daquilo que nos carateriza como seres sociais. As primeiras tentativas de comunicação verbal, o primeiro esboço de um sorriso. Esta é uma criança que nunca chorou. Victor, assim como a grande maioria das crianças selvagens encontradas e trazidas ao convívio humano, nunca se adapta plenamente. Ao contrário, sofre e anseia pela vida selvagem. Se estas crianças não parecem se adaptar ao mundo dos homens, deveriam ter sido deixadas prosseguir com sua existência animal e lúdica? E mesmo se pudessem, seria essa existência mais miserável do que a nossa ? Não há um momento no filme onde o personagem magnificamente interpretado por Truffaut se questiona seriamente a respeito de sua meta. Ele é antes de tudo um estudioso, que acredita piamente na civilização do homem e na vida em sociedade. Para ele, uma criança que se assemelha aos animais da floresta, lutando para sobreviver e matando para comer é quase que um ultraje à condição humana.


Uma das características mais intrigantes de Victor é a total falta de uma identidade pessoal. Victor não se enxerga no espelho, nem tem nenhuma idéia de ser um ente separado do todo. Para ele, o mundo físico não passa de uma extensão de seu corpo, onde está totalmente integrado e onde se move com fluidez e instinto. Em uma das cenas mais belas da película, Victor bebe água e olha pela janela, o olhar distante nos campos. Deleita-se com o que restou da sua natureza: sorve a água fresca como se fosse o maior prazer da Terra.
É quase impossível para nós imaginarmos a sensação de total aniquilação do ego, e “Garoto Selvagem” nos mostra essa possibilidade. Sábios, religiosos, místicos, poetas e cientistas têm buscado por isso ao longo de milhares de anos de história,e no entanto, sempre esteve lá. Teríamos nós que desaprender tudo que nos foi ensinado?
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Este é um filme que suscita muitas dúvidas existenciais. Através dos olhos do Dr. Itard, nos perguntamos o que é exatamente que nos torna humanos, e o que isso significa. A pergunta é se o animal biológico homem, privado do contato com outras pessoas é capaz de libertar o espírito humano, tão criativo e inventivo, capaz de maravilhas além dos sonhos mais ousados e também das maiores atrocidades.
Victor derrama suas primeiras lágrimas, e é com assombro que vejo o pequeno selvagem dentro de mim ser domado e domesticado, violentado e privado de seu direito mais essencial: a liberdade.


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